Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: Processo 2728/2007-5
1 – Para o efeito de incriminação, por jogo ilícito, face ao art. 108º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, a diferença entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses mesmos jogos radica quer na temática do jogo quer na natureza dos prémios que o jogador pode ganhar. Tratando-se de prémios pagos em dinheiro ou fichas convertíveis directamente em dinheiro são jogos de fortuna ou azar, tratando-se de prémios pagos em espécie são modalidades afins desses mesmos jogos de fortuna ou azar. Contudo, é de atentar sempre que o não pagamento de qualquer tipo de prémio não afasta só por si a incriminação.
2 – Assim, a incriminação por jogo ilícito persiste, de igual modo, no caso de uma máquina que desenvolva quatro jogos de funcionamento em tudo análogo ao poker, e ao black jack 21, embora não atribua qualquer prémio, nem em dinheiro, nem em espécie, pois a ela subjaz o critério do tema (fortuna ou azar). Os jogos enumerados nos art. 4º e 161º nº 3 do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro apenas podem ser explorados em casinos (art. 3º). E, nesse elenco, encontra-se quer o “poker”, quer o “black jack 21”, jogos típicos de fortuna ou azar, explorados em casinos, e que o Estado quis chamar a si o monopólio sobre os mesmos.
Assim, porque o tema dos jogos é, de facto, próprio dos de fortuna ou azar, a imputação criminal não pode deixar de operar. E, por isso, máquinas que desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar constituem sempre crime, independentemente do pagamento de prémio.
3 – Quanto à exploração de máquinas de jogos que, não sendo próprios (a sua temática) de jogos de fortuna ou azar mas que atribuam prémio em dinheiro, ou convertíveis em dinheiro, constituiu igualmente crime, nunca podendo constituir modalidade afim, porque o art. 161º nº 3, na sua parte final, expressamente os exclui ao referir que as modalidades afins de jogos de fortuna ou azar não podem desenvolver temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (e exemplifica), nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos. Também, nesse sentido, a alínea f) do art. 4º o estabelece, dizendo que constituem jogos de fortuna ou azar os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas.
4 – Uma máquina de jogo com afectação inicial a modalidades afins de jogo de fortuna ou azar, mas que tenha nela incorporado um jogo de fortuna e azar não pode ser permitida, não sendo por acontecer poder ter em funcionamento também um jogo de modalidade afim que passará a não ser criminalmente ilícito o seu uso e exploração.
5 – Não é inconstitucional nem viola as regras de concorrência protegidas pela legislação comunitária e muito menos quaisquer decisões do TJCE, o monopólio (exclusividade) da promoção de jogos de fortuna e azar como aquele de que, aparentemente, desfruta a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A detenção e exploração de máquinas com jogos de fortuna ou azar é ainda permitida em várias regiões da U.E.
6 – No ordenamento jurídico interno português faz-se regulação expressa sobre a questão das máquinas de jogos com apontamento claro das razões pelas quais se criou uma situação que pode caracterizar-se como de monopólio, em virtude de se haver pretendido controlar o mercado do jogo, justificado “num país como Portugal, em que, nas décadas de 80 e seguintes, houve necessidade de regular esse mercado, por forma a evitar a ruína de muitos cidadãos”.
7 – A factualidade dada como provada e relativa às condições pessoais (sócio-económicas do arguido) reportada a convicção formada pelo julgador na decorrência de perguntas em audiência feitas em violação da reserva da intimidade só poderia ser impugnada (de facto) em recurso se a prova em audiência tivesse sido documentada, documentação essa que fora, no entanto, prescindida.
8 – O interrogatório sobre tal matéria constituiria invasão de privacidade apenas se não tivesse sido consentida pelo visado. Estando o arguido informado formalmente do seu direito a poder reservar-se ao silêncio nos termos do art. 61º, n.º 1, al. c) do Cod. Penal e tendo optado por prestar voluntariamente declarações sobre essa matéria e com consciência do que se visava com tal, não podia invocar depois em via de recurso ter havido violação daquela reserva de intimidade pois que, se entendia que as questões postas a violavam, tinha sempre a seu favor a opção pelo uso da alternativa de ficar calado, postura essa que nunca poderia ser-lhe desfavorável*.
Acordão disponível para consulta… aqui
EDUCAÇÃO/PREVENÇÃO
O programa Jogo Responsável deverá contribuir para assegurar a protecção dos indivíduos, e da sociedade em geral, das consequências negativas do jogo e simultaneamente proteger o direito de quem pretende jogar.
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