O dinheiro ganho em jogos legais é ”dinheiro limpo.”
Em geral, é lícito a qualquer pessoa com mais de 18 ou 21 anos arriscar, perder, ou ganhar dinheiro em jogos autorizados. É lícito ter sorte e é, em suma, legítimo ganhar. Assim, resulta que o dinheiro ganho no jogo legal, sem fraude ou batota, por pessoas que estão legalmente autorizados a jogar, não é” dinheiro sujo”. Este facto, desde o início da década de 90, foi identificado como uma fraqueza ou vulnerabilidade e um motivo de preocupação em relação à indústria do jogo como um todo, com particular destaque para os casinos. Na verdade, o negócio de um casino tem uma natureza essencialmente financeira, por várias razões: depende de fichas de jogo equivalentes a dinheiro; existe uma grande quantidade de dinheiro em circulação dentro dos casinos; os casinos oferecem alguns serviços financeiros, tais como o depósito de dinheiro e a emissão de cheques. Os casinos podem estar abertos ao público 24 horas por dia e são uma florescente indústria mundial.
O risco de branqueamento de capitais nos casinos
A Finantial Action Task Force (FAFT) tem chamado a atenção para o risco de lavagem de dinheiro através de casinos. Como resultado, foi criada legislação para atender a este problema, a qual, na sua maior parte, corresponde a uma expansão de padrões regulatórios criados, inicialmente, para o setor bancário e faz parte de um aparelho regulamentar mais amplo.
Como anteriormente vimos, ganhar dinheiro em jogos legais é admitido pelo sistema jurídico. Isto significa que se for possível, por qualquer meio, conferir a fundos que têm uma origem ilícita (particularmente produtos de crime) a aparência de serem ganhos em jogos de casino ou outras formas de jogo legalizado, como as lotarias, esses fundos serão desta forma “branqueados”, ”lavados” ou “reciclados”, e ganharão a aparência de terem sido obtidos por meios legais, tornando mais difícil de provar a sua verdadeira origem.
O processo de dissimular a verdadeira origem dos fundos e, consequentemente, a tentativa de lhes dar uma origem supostamente legal no jogo, pode ser realizada de várias maneiras [Financial Crimes Enforcement Network, Suspicious Activity Reporting Guidance For Casinos (2003)]. Resumidamente, a lavagem de dinheiro através de casinos geralmente tem dois tipos de procedimentos. O principal consiste em passar os fundos através do casino, tipicamente tendo como porta de entrada a compra de fichas de jogo, seguida da colocação de valores normalmente reduzidos e que, na maioria dos casos, se anulam mutuamente (por exemplo, preto e vermelho na roleta, nas duas equipas nas apostas desportivas, etc) a fim de evitar perdas de quantias significativas. A sessão de jogo termina com o resgate das fichas através da emissão de um cheque do casino.
Um procedimento secundário pode ser o de garantir que essas transações (compra de fichas, colocação de apostas, resgate de fichas) são separadas ou divididas de modo a que cada uma não exceda o valor que desencadeia a gravação automática das operações, uma prática conhecida no jargão como “‘smurfing.”
O caso de Macau
No caso de Macau, é importante levar em conta os contornos específicos do seu mercado de jogos e observar o papel fundamental dos promotores de jogo, chamados “junkets”, no seu maior segmento, Bacará VIP.
O assunto foi mencionado em um importante relatório internacional. A preocupação principal, para além dos aspetos gerais mencionadas acima, tem a ver com a existência de um número significativo de “junkets” autorizados – mais de duas centenas -, que desempenham um papel na canalização de fluxos financeiros da China continental, a origem da maioria dos ”grandes jogadores” que chegam aos casinos de Macau.
Os perfis económicos dos “junkets” podem ser muito diversos: vão desde proprietários de pequenas embarcações a grandes empresas. Vários “junkets” estão listados nas bolsas de valores de Hong Kong e Nasdaq. O que exatamente é um “junket” varia entre os sistemas jurídicos. Geralmente, um “junket” é um agente que recruta ou reúne jogadores e os leva para um subconcessionário, mediante o pagamento de uma comissão, o que, em teoria, pode assumir várias formas: uma percentagem do dinheiro depositado aquando da chegada ao casino (“front money”); uma comissão sobre ‘‘dead chips’’ ou ‘‘live chips’’ compradas; uma comissão sobre as perdas; uma percentagem da quantia apostada.
Em Macau, os “junkets” também podem conceder crédito para o jogo de acordo com a Lei 5/2004, de 14 de Junho. A intervenção de “junkets” na transferência de fundos ou a sua participação nos lucros em determinadas mesas ou salas de jogos são conhecidas. De facto, os “junkets”, ou pelo menos os maiores, normalmente operam nas chamadas “salas VIP” (áreas de jogo separadas de outras salas semelhantes, destinadas ao mercado de massas), por sua conta e com as suas próprias fichas, no interior de um casino. As salas VIP são reconhecidos como distintas, pelo menos para fins estatísticos e fiscais.
De acordo com o FATF e o Asia/Pacific Group on Money Laundering (APG), existem várias vulnerabilidades em relação a “junkets”, incluindo o facto de a sua intervenção permitir a criação de um grupo adicional que pode não contribuir para conhecer a identidade dos jogadores e da sua fonte de fundos, além do facto de que nem todas as jurisdições regulam promotores de jogo e/ou seus escritórios de representação. A questão complica-se, dado o potencial conflito de interesses comerciais entre subconcessionárias e “junkets”.
Relativamente a esta matéria deve notar-se que a RAEM (Região Administrativa Especial de Macau) tem um sistema financeiro autónomo que é caracterizado pela livre circulação de capitais. Apesar de não ser exactamente um paraíso fiscal (não há imposto de renda) ou um centro financeiro internacional de reputação conhecida, Macau tem aspetos atraentes. Na República Popular da China, não há livre circulação de capitais: o limite para transportar dinheiro para o exterior é de RMB 20.000 (cerca de € 2500). Assim, Macau, como Hong Kong, pode ser procurado por pessoas que tentam passar capitais da China continental para o exterior.
Isto, rigorosamente falando, não constitui lavagem de dinheiro. É, antes, uma violação das leis de controlo cambial em vigor na República Popular da China, na qual podem existir elementos de outra conduta ilegal, como evasão fiscal. Os “junkets” podem ajudar na transferência de fundos para casinos de Macau. No caso do Bacará VIP, os valores envolvidos podem ser muito significativos. Além disso, em muitos casos, não haverá transferência efetiva de fundos, mas sim um simples balanceamento de contas entre créditos na China continental e débitos de Macau. Esta é uma das razões pela qual o setor promotor do jogo está bastante desenvolvido.
Mas não há dúvida de que este canal pode também servir para a movimentação de fundos de origem ilícita, sejam provenientes de corrupção, de desvios de entidades públicas ou privadas, ou de quaisquer outras fontes. Daí a necessidade particular de regras e procedimentos para a deteção de transferências ilegais.
Consultas: Gaming Law Review and Economics Financial Crimes Enforcement Network.Suspicious Activity Reporting Guidance For Casinos (2003) Internet Casinos and Money Laundering Crédito para o Jogo em MacauDESDE 2004
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