Na sala de mercados, atenção no máximo. Ordens de compra e venda sucedem-se a um ritmo que aumenta quanto mais a semana se aproxima do fim.
O rio Tâmisa corre cinzento, maré baixa com muita areia à vista num dia de sol e nuvens que a água turva não reflecte. Junto às margens, faz-se o ‘jogging’ diário em indumentárias de fazer bater o dente a quem olha ainda como corpo habituado a temperaturas mais a Sul. De cima, num edifício feito de vidro, o jogo é o das apostas, sentado, mas aparentemente tão descontraído quanto o que se faz na rua. Numa sala de leitura, no último andar, duas poltronas apontam para o rio e a água muda de tom. Parece castanha, talvez reflectindo o tijolo do enorme edifício de uma Londres dos tempos de ouro da industrialização que armazena o que há-se seguir para os armazéns Harrod’s. Está na outra margem. Do lado de cá fica a cidade tecnológica e da inovação. É deste lado que está a Betfair.
Um pouco mais de atenção aos semblantes de quem tem um monitor pela frente e vários painéis com gráficos para onde olhar e percebe-se o elevado nível de concentração. Há muito dinheiro a rodar, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, todos os dias do ano, e qualquer distracção pode deitar muito a perder e fazer cair em desgraça aquela que tem fama de ser uma das mais fiáveis casas de apostas desportivas ‘online’. Estamos numa das salas de mercado. Não são horas de futebol, nem do outro lado do mundo. A sala mais movimentada é a das corridas de cavalos, até há bem pouco tempo aquela que movimentava mais dinheiro, cumprindo a tradição britânica, mas veio o futebol em força e com ele ainda mais dinheiro e apostadores.
Três rapazes em silêncio monitorizam ordens, interpretam o volume de transacções. São especialistas neste jogo e fazem a sua tradução para o mercado de valores. Ao lado, outros dois homens, no mesmo silêncio, fazem as transacções. Depois de cada jogo, de cada corrida, o dinheiro do apostador/cliente é depositado na sua conta depois de serem retiradas as comissões da casa. A maior parte dos funcionários são engenheiros na área das novas tecnologias, economistas, gestores, muitos carolas, ‘geeks’ que levam o seu grau de conhecimento à quase obsessão. Aqui podem jogar, mas não enriquecer com o que sabem. “Há limites para as apostas dos funcionários”, apressa-se a justificar um rapaz que está sentado na ilha destinada aos “relações públicas”. Na secretária, há barras de cereais, noutras, pacotes de ‘corn-flakes’, sumos, muitos “baldes” de café. Vive-se por ali.
Estamos numa empresa internacional de apostas desportivas ‘online’, uma actividade não regulamentada em Portugal. Por cá, a organização e exploração de jogos de fortuna ou azar, de lotarias e de concursos de apostas mútuas está, nos termos da Lei do Jogo, reservada ao Estado e só pode ser exercida por empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas a quem o Governo adjudicar a respectiva concessão mediante contrato administrativo. Também ao nível da União Europeia ainda não foi criado um quadro legal claro e harmonizado em matéria de regulamentação deste tipo de jogos. Em Inglaterra as coisas são diferentes. A Betfair tem sede em Londres, e desde Outubro do ano passado cotada no London Stock Exchange, a bolsa de valores de Londres, onde quase tudo se passa como numa empresa de ‘trading’ tradicional, à excepção do mercado onde trabalha. Com cerca de dois mil funcionários, a maior parte dos quais a trabalhar na sede, a empresa, apesar do sucesso registado nos últimos anos, tem vindo a assistir à saída de alguns dos seus homens fortes, entre eles Edward Wray, CEO e fundador da companhia.
Regras do jogo
Esta instabilidade, no entanto, não passa nas salas onde tudo se decide, gabinetes abertos cheios de monitores com quadros de números indecifráveis para quem está longe deste universo de apostas em póquer, futebol, ténis, futebol americano, basquetebol e onde um português, Paulo Rebelo, é conhecido pelo acerto das suas apostas e o dinheiro que movimenta. Ele é um dos ‘traders’ registados na empresa. Movimenta montantes que nada têm que ver com os apostadores simples. Há registos diferentes para uns e para outros, de acordo com regras de funcionamento bem definidas. Todos podem jogar, mas só joga quem se regista e cumpre regras. Para saber como basta aceder à página www.betfair.com e seguir as coordenadas. E nada de tentar manipular o jogo. O ‘inside trading’ é punido e a polícia já foi muitas vezes chamada a investigar ordens de compra consideradas suspeitas.
A Betfair é apenas uma das empresas a actuar no mercado das apostas ‘online’. Apresenta-se como uma bolsa, parece uma bolsa, mas nenhum dos seus ‘traders’ usa fato e gravata e seria pouco provável encontrá-los a jogar pingue-pongue, de ‘t-shirt’, ‘jeans’ e ténis, num dos gabinetes. É tempo de descontrair. De duas em duas horas, mais ou menos, quem tem uma actividade mais desgastante na análise de gráficos, recepção de ordens de compra e venda, transferência de ganhos para contas de clientes espalhadas um pouco por todo o mundo, tem direito a descomprimir num ambiente tudo menos formal.
Não faltam, aliás, informações nas paredes. Há painéis onde anotar uma frase, partilhar uma ideia, deixar recados, ‘post-it’ que parecem de brincar mas são muito a sério, ardósias com desenhos, jogos do galo, jogadores de cartão em tamanho real, as vedetas de uma empresa que também exibe o seu quadro de troféus, entre elas dois Queen’s Awards for Enterprise é um de melhor empresa do ano em 2010 atribuído pela Ernst & Young.
Pode parecer estranho a quem vem de um país onde esta actividade não está regulamentada, mas onde é permitido jogar. Basta ver o caso cada vez mais mediático de Paulo Rebelo, o rapaz do Porto que se apresenta como “trader profissional” inscrito na Betfair. Ele tem uma página ‘online’ onde dá dicas de jogo e já criou uma comunidade de “seguidores”. Começou há três anos. Enriqueceu, mas diz que agora isso é mais complicado. Mas há quem sonhe e a Betfair lida com isso. O sonho de fazer a aposta certa e multiplicá-la. Como é depois? Depois o dinheiro é depositado nas contas dos clientes que pagam impostos de acordo com as leis do país onde estão sediados. É o caso de Paulo Rebelo, que recebe o dinheiro na sua conta no Porto.
E é aqui que as coisas começam a ser delicadas, porque a legislação nem sempre é muito clara. Uma coisa, no entanto, é certa. “A ilicitude dos casinos e casas de apostas virtuais, não obsta à tributação dos apostadores, desde que se encontrem preenchidos os pressupostos de incidência do imposto do Selo”, declarou ao Outlook a dupla de advogados Nuno da Cunha Barnabé e Maria Inês Assis, da sociedade de advogados PLMJ. No entanto, segundo estes dois especialistas em direito fiscal, “sendo a tributação de base territorial, a exploração do jogo fora de Portugal, através da internet, afastará em geral a incidência de Imposto sobre as apostas e eventuais prémios de jogo”. Acresce ainda o facto de “embora o Código do Imposto do Selo estipule que o imposto é encargo dos apostadores, não define com clareza quem é responsável pelo respectivo pagamento.”
Como ficamos então? “Não parecendo viável tributar em Portugal as entidades exploradoras destes jogos, a alternativa, no plano nacional, pode passar por estender a tributação em Imposto do Selo também aos prémios obtidos fora de Portugal, responsabilizando os apostadores pela respectiva liquidação do pagamento e reforçando os mecanismos legais e administrativos que permitam fiscalizar e efectivar a cobrança da respectiva receita fiscal”.
O problema parece ser o da definição de uma fronteira num jogo sem fronteiras como é o virtual, segundo esclarecem ainda Nuno da Cunha Barnabé e Maria Inês Assis. “A natureza muito própria e os termos particulares em que esta indústria se tem vindo a desenvolver impõe a definição de um quadro legal harmonizado ao nível da União Europeia, só assim sendo possível, por um lado, criar um mecanismo de efectivo e rigoroso controlo de acesso e exercício dessa actividade, e, por outro, criar condições para a implementação de um regime fiscal que permita tributar de forma eficaz e eficiente a actividade de jogos de apostas ‘online’, suprindo, desse modo, potenciais ineficiências associadas à coexistência de uma pluralidade de sistemas legais e diferentes interpretações legislativas sobre a mesma realidade. É, no entanto, expectável que nesse percurso surjam alguns obstáculos decorrentes sobretudo da competição/concorrência fiscal entre os Estados”. Em tempo de contar tostões a nível nacional, estes juristas deixam a sugestão: “pelo peso e importância crescentes desta actividade na economia nacional e atenta a actual conjuntura económico-social, que os serviços competentes da Administração Fiscal tomem a iniciativa de proferir uma orientação administrativa sobre esta matéria ou inclusive seja desenvolvido um esforço no sentido de clarificar a legislação aplicável”.
Entretanto, de fim-de-semana de futebol à porta, as apostas aumentam e o jogo continua ‘online’. Os resultados são de verdade. O dinheiro também.
Notícia: Económico
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REGULAÇÃO
Em boa hora enviámos para a Comissão Europeia o entendimento que norteia o nosso trabalho desde 2004
Entendemos que devem ser elaborados estudos em prestigiadas universidades, em cooperação com operadores e reguladores, recorrendo às bases de registos dos jogos na internet para estudar com precisão os comportamentos e os hábitos dos jogadores. Os resultados destes estudos podem proporcionar uma base empírica à comunidade científica internacional na área da investigação em comportamentos de dependência
Entendemos que devem ser lançadas campanhas maciças de educação, através de diversos canais de comunicação, com o objectivo de chegar efectivamente a toda a população, de maneira que esta possa perceber que existe uma verdadeira politica europeia em relação ao jogo e que as condições para um exercício responsável da actividade estão dadas
Sublinhamos a necessidade de criar observatórios do jogo que alertem e informem os consumidores sobre as práticas de cada operador. Estes observatórios poderão ser um incentivo para a implementação de boas práticas nos seus sítios de jogo online. A diferenciação positiva. A transparência dos operadores poderá traduzir-se num capital de confiança junto dos jogadores.
Entendemos que deverão ser criadas redes de assistência para jogadores compulsivos, começando pelos centros que já estão a trabalhar no tratamento das adições. Esses centros deverão funcionar sobre uma plataforma tecnológica adequada que permita o intercâmbio de experiências, a actualização de conhecimentos e a colaboração mútua.
Problema de saúde pública
DESDE 2004
EDUCAÇÃO/PREVENÇÃO
O programa Jogo Responsável deverá contribuir para assegurar a protecção dos indivíduos, e da sociedade em geral, das consequências negativas do jogo e apostas a dinheiro e simultaneamente proteger o direito de quem pretende jogar.
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