23.02.2013 – Ligas europeias criticam Comissão Europeia e governos nacionais pela demora na legislação das apostas online. E dizem que o futebol “é vítima” das máfias que manipulam jogos
A casa de apostas bwin paga anualmente 23 milhões de euros para ter o seu nome nas camisolas do Real Madrid. A consultora H2 Gambling Capital estima que em 2012 tenham sido gastos 50.700 milhões de euros em apostas desportivas na Internet. E um estudo realizado no ano passado estima que este sector movimente globalmente 200 mil milhões de euros por ano. Estes números dão uma ideia da dimensão de um sector que surge como uma fonte de financiamento importante para o futebol, mas que também aparece como uma crescente ameaça à credibilidade da modalidade mais popular do mundo.
Depois de alguns casos de manipulação de jogos na Ásia, na Europa de Leste e em Itália, a recente investigação da Europol – que detectou 680 jogos viciados, 380 dos quais na Europa – voltou a colocar o tema no centro das atenções. Afinal, ainda podemos acreditar no que vemos quando vamos a um estádio ou assistimos a um jogo de futebol na televisão?
Emanuel de Medeiros, director-executivo da Associação das Ligas Europeias de Futebol (EPFL), há muito que alerta para a questão das apostas desportivas, mas também chama a atenção para a necessidade de não confundir a árvore com a floresta: “Deve-se ter muito cuidado, para não criar uma suspeição generalizada, que ponha em causa a credibilidade do futebol. Muitas vezes, mais do que o problema é a ameaça do problema que contribui para afectar a imagem de credibilidade do desporto”, diz, em entrevista ao PÚBLICO, mostrando até algum incómodo pela forma como a Europol anunciou os resultados da sua investigação.
“Escrevi ao director da Europol e pretendo saber que Ligas e jogos foram afectados, se são situações antigas e já reportadas”, diz o representante das Ligas europeias, garantindo que as instâncias do futebol actuarão “de forma implacável sobre quem puser em causa a verdade desportiva”, mas reconhecendo que é um tema complicado, porque o futebol “é um sector apetecível para quem, com escrúpulos ou sem eles, o encare como uma fonte de negócio”.
Bem mais negativa é a conclusão de Chris Eaton, director do departamento de integridade no Centro Internacional para a Segurança no Desporto, uma organização não-governamental sediada no Qatar: “O futebol está num estado desastroso. Viciar jogos para fraudes em apostas é endémico a nível mundial. E acontece diariamente”, disse, em declarações à agência AP.
Quando se fala em apostas desportivas ilegais, há duas questões diferentes. Uma é a manipulação de resultados, com vista a ganhar dinheiro em apostas. A outra é o facto de muitas casas de apostas funcionarem sem licença, até porque as novas formas de jogo online permanecem por regulamentar em vários países europeus, incluindo Portugal, onde a decisão sobre a regulamentação das apostas online em Portugal está neste momento nas mãos do Ministério das Finanças.
A tutela de Vítor Gaspar assumiu o dossier (que antes estava com o ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas) depois de o grupo de trabalho criado em Janeiro de 2012 ter concluído o relatório encomendado pelo Governo, apontando três grandes direcções para a lei: abrir completamente o mercado a novos operadores, liberalizar parcialmente a actividade ou fechar este negócio, mantendo-o como monopólio da Santa Casa da Misericórdia.
“O futebol é uma vítima”
Depois da droga, das armas e da contrafacção, a viciação de jogos parece ser um novo campo de actuação das máfias, disse à AFP Pascal Boniface, director do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), um think tank francês que em 2012 coordenou um estudo sobre apostas desportivas e corrupção.
Joseph Blatter, presidente da FIFA, até admitiu que é impossível impedir a batota. “Estamos a falar de jogos e nos jogos há sempre batota. Nunca deixará de existir”, disse, citado pela AFP.
Uma declaração de impotência que Emanuel de Medeiros lê de outra forma. “É inegável que não dispomos dos meios e da jurisdição para fazer investigações visando organizações criminais que possam estar a agir neste sector”, diz o director-executivo da EPFL, para quem este é “um assunto de polícia”: “Daí que seja necessária uma acção concertada entre organismos desportivos, os legisladores e as autoridades policiais e judiciais. Também quero dizer que nada disto é gerado pelo futebol. O futebol é vítima. São fenómenos sociais e que vitimizam o futebol.”
Uma opinião que é partilhada pela própria Interpol. “Isto está certamente para lá e acima do futebol e da FIFA. É justo dizer que ainda percebemos a verdadeira dimensão do problema”, admitiu Ronald Noble, secretário-geral da Interpol, também em declarações à AP.
A polícia tem conseguido algumas vitórias. Além da operação da Europol, as autoridades italianas detiveram na quinta-feira o esloveno Admir Suljic, suspeito de ter ligações a uma rede que manipulou mais de 700 jogos. E a Interpol já pediu a colaboração de Singapura para deter Dan Tan, considerado o cérebro de uma grande rede de corrupção desportiva.
Só que estes progressos são ainda pequenos e a grande questão permanece: como se combate a viciação de jogos? “Evidentemente não há nenhuma receita milagrosa”, responde Emanuel Medeiros. “Mas há um cocktail de medidas que deve ser aplicado de forma global e concertada”, diz, a começar pela necessidade de “legislação adequada, o que compete à Comissão Europeia e aos Estados-membros”.
“Depois tem de haver, da parte do movimento desportivo, um conjunto de medidas visando educar todos os participantes nas competições, nomeadamente criando códigos de conduta para observar regras que evitem situações de conflitos de interesse e quebras de deontologia”, acrescenta, sugerindo “um conjunto de incompatibilidades destinadas a todos os participantes nas competições, sejam eles futebolistas, dirigentes, treinadores, árbitros ou massagistas”.
Uma das medidas que já estão em acção são os sistemas de aviso prévio, “que implicam a monitorização permanente do mercado de apostas da Internet, 24 horas por dia, de forma a detectar padrões irregulares que indiciem tentativas de viciar jogos”. Ou seja, se os técnicos detectarem padrões estranhos são accionados “mecanismos preventivos”, que passam pela colaboração com as autoridades policiais.
Emanuel de Medeiros destaca ainda outra medida, que já vigora em França: definir que apostas são admitidas. É que há “apostas desportivas que são perniciosas”. Exemplos? “Apostar quem vai ser o primeiro a sofrer um penálti ou a ver um cartão vermelho são situações que podem pôr em causa valores essenciais da verdade desportiva.”
Uma questão que remete para a fragilidade dos agentes desportivos, em particular dos jogadores, que foi precisamente destacada nesta semana por Brendan Schwab, director do sindicato de futebolistas (FIFPro) na Ásia. “Estamos a lidar com crime organizado e com pessoas que farão o que for necessário para executarem o seu plano”, disse o responsável, durante a conferência “Jogos manipulados: o lado feio do jogo bonito”, organizado na Malásia pela FIFA e pela Interpol.
Schwab alertou para a necessidade de os jogadores serem protegidos quando efectuarem denúncias de tentativas de viciação e citou dados preocupantes de um inquérito a mais de 3000 futebolistas em 15 países da Europa de Leste: 11,9% dos jogadores foram abordados para viciar resultados e 23,6% tinham conhecimento de jogos manipulados nos campeonatos dos seus países. O Leste europeu está particularmente sobre suspeita. Um telegrama da embaixada americana em Sófia, revelado pela Wikileaks, dá conta de suspeitas de o futebol búlgaro ser dominado pelo crime organizado, que “usa os clubes para se legitimar, lavar dinheiro e ganhar dinheiro rápido”.
O outro problema das apostas
Além da corrupção associada às apostas, os responsáveis do futebol estão preocupados com outra faceta deste sector. “Há todo um outro circuito relacionado com apostas pela Internet, que não sendo propriamente ilegais, não são exploradas ao abrigo de uma licença”, aponta Emanuel Medeiros, reclamando o direito dos clubes de receberem uma compensação pela utilização da sua imagem em apostas desportivas.
“A exploração de apostas desportivas deve implicar um justo retorno financeiro para os organizadores das competições. Sem desporto, não há apostas desportivas. Estimativas de 2012 apontam para receitas na ordem de 50 mil milhões de euros das empresas de apostas desportivas na Internet. Desse valor, quanto é que o futebol recebe? Nem recebe contrapartida, nem tão pouco lhe é pedido consentimento. Há um vazio legal que persiste mais do que devia. Não entendemos a passividade da Comissão Europeia e de muitos governos nacionais”, critica Emanuel de Medeiros, incluindo Portugal neste lote.
“Portugal está ao nível da Sérvia e da Ucrânia neste domínio e isto é insustentável. Ao Governo cabe combater o jogo ilegal”, diz o responsável da EPFL, que também não entende a proibição de publicidade a casas de apostas. “Em qualquer jogo do Real Madrid na TV portuguesa vê-se publicidade a uma casa de apostas nas camisolas.”
com Raquel Almeida Correia
Fonte: Público
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